(Re)encontros no mar Dulce amazônico - Um déjà vú africano (Para Wislley Sabino)

07/07/2016 02:57

 

 

Por Alanna Souto

Talvez tenha sido nos tempos do tráfico negreiro e das expansões marítimas, a África acabara de entrar na rota comercial mais violenta dos brancos, o ouro negro passa ser disputado não somente pelos europeus, reinos africanos envenenados pela ganância patriarcal europeia sucumbem, guerreiam entre si e vendem seus próprios irmãos.

Chachá, o famoso mercador da escravidão africana, gargalhava no porto de Benin quando navios negreiros desembarcavam do outro lado do mundo em águas atlânticas, chegavam nas américas, alguns muito adoentados, resistiam à sua sina, mas foi numa terra banhada pelo rio “Mar Dulce” que conheci uma rainha com seu bebê africano, apesar de muito enferma com toda travessia, fome, desidratada, acabou por ser contaminada pela peste branca, contudo conseguiu alimentar e proteger o garotinho agarrado na bainha de suas saia, ela me contou diversas histórias das rainhas guerreiras africanas, estadistas que lutavam bravamente contra os colonizadores europeus, guerreavam nas arenas políticas e militares, independentes de representações masculinas no lar,  tinha seus direitos próprios garantidos nas representações do espaço do poder público, falou de uma rainha da Angola chamada Nzinga que liderou todo um reino contra a dominação portuguesa e holandesa, lembrou também da rainha Yaa Asantewaa do reino de Gana que comandou a resistência dos asante a fim de barrar o império inglês, falou ainda da rainha Kahina que lutou contra as investidas árabes no Norte da África, e muitas outras rainhas-mães que merecem um ponto especial exemplar na história de resistência da mulher de raízes africanas no âmbito do seu papel no mundo, aonde a cultura matrilinear é que se faz o canto poético do sistema político e transcendental. E por fim, já com poucas forças, mencionou o quilombo da Vó Conga em Magé no Rio de Janeiro, até onde se sabe pela história oficial um dos poucos espaços desta cartografia da resistência afro-brasileira chefiada por uma líder feminina, foi sua última história quando deu o último suspiro agarrada em seu neném que de alguma forma percebeu a despedida de sua rainha, e chorou copiosamente, vestido com roupinhas de palha, como se tivesse imunizado da peste branca, engatinhou em minha direção e nos abraçamos. Seguimos adiante mata a dentro no caminho de volta...

E desde então na morada das onças icamiabas tocamos, cantamos e rezamos para os pretos e pretas velhas.

É dia de berço lunar, re-nascimento, cura e libertação.

Salve as almas.

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