Os primeiros passos longe do Éden
No primeiro pensamento matinal, no primeiro impulso do sol intimo que raia com força em sincronia com o Sol universal, o filho teve um relampejo de euforia e decidiu desbravar um mundo novo, o medo não fazia parte daquela aventura ao desconhecido, queria experimentar! Disse ao Pai: meu Pai, hoje me decide que estou preparado a enfrentar o incompreensível, vou viver no desprendimento de seus cuidados, livre para escolher o que é melhor pra mim, mas não deixarei de ter o Senhor em meus pensamentos e em todos os atos, pois fortes Tu meu Pai que me colocou no mundo e me ensinou como percorrer, a liberdade, o livre decidir, a expressão mais glorificante da criação, o Amor.
Inexoravelmente estarás em mim assim como estarei em Ti, Com a benção foi-se o filho para a jornada da existência, sentir o que é a inversão dos valores, ser a separação, pisar em solos virgens e infinitos, como bom aventureiro se preparou para penetrar numa formação geológica profundíssima, na qual ninguém encontrara coragem de encarar, tinha preparo físico advindo das infindáveis caçarias e do trabalho feito na fazenda onde residiam e arredores com seu Pai, essa seria sua primeira vivência além dos cercados do grande e rico bosque que circundava seu lar, fora ali que conhecera o funcionamento orgânico das arvores, das rochas, rios e pradarias, as trocas substanciais e vívidas que processam constantemente em silêncio, imperceptíveis aos olhos avulsos, transformando e dando vida a tudo e a todos milagrosamente.
Ele encontrou dentro de si a força de mil leões, Poderoso Marte, concentrou na impulsão e foi! No adeus, um olhar cúmplice, um abraço forte, o encorajou ainda mais. Iria traçar o plano escolhendo inovação, Cavernismo! É um esporte radical que envolve muita adrenalina, solicita preparo e planejamento, isso ele tinha de sobra, porém numa fase cheia de fronteiras, nunca havia entrado numa caverna, porém longe Dalí ele sabia da existência de uma. A vontade de desbravar a tal caverna veio das histórias que seu Pai contava quando ainda criança, narrava sempre antes de dormir que na caverna vivera um grande Ermitão, um mago muito sábio e bondoso, seus conhecimentos ali digeridos foram de tanta energia agregadora que penetraram não só na alma do sábio homem, como também em toda formação rochosa, compartilhando os ensinamentos com quem adentrasse naquele local.
Caminhou dias e dias, as montanhas não eram as mesmas, o horizonte era novo, as formas, as cores, tudo era diferente, soube que estava perto, pois de longe avistou o cume da montanha que abrigava a caverna, era calmo, o silêncio esmagador se confundia pelo cantar dos pássaros e pelo vento que lambia as árvores, se sentiu íntimo, unido com tudo naquele lugar, era real a sensação de fazer parte do Todo, em fleches de pensar não acreditava que estava naquela situação “como eu, filho de meu Pai, estou aqui só! Enfrentando o tudo ou nada, dimensões paralelas à minha existência, até então limitada pelos cuidados do meu Amado, será que vou conseguir? Antes que deixasse seu lado derrotista o invadir com pensamentos sombrios, olhou para o céu, o crepúsculo se aproximava, tons de lavanda se misturavam com o dourado do sol poente matizando nuvens autocumulus, banhando a paisagem num adeus breve, a tela pintada pelo Absoluto o relaxou, apesar da iminente escuridão que logo tomaria conta da paisagem não desanimou, no mesmo instante, como que em um sonho a voz/lembrança de seu Pai surgiu em seu campo áudio-visual ‘’a confiança em ti é a espada que corta todo dragão do lado negro da força, a ação como conseqüência te direcionará para o alto’’ suspirou, inflou o peito, e quando expirou, correu na direção do alvo, focando na meta, no desfecho, queria experiência, sabedoria acima de tudo.
Parou na frente da catedral de pedra, o espaço interior era de um alto vertiginoso, estalactites pendiam como lustres e os últimos raios de sol permeavam frestas nas laterais dessa incrível obra, como não tinha nem mapa e muito menos um guia, se baseou pela sua intuição, ’’Quando tu cavas pra baixo, tu encontras Ouro, cavas para cima tu encontras SOL’’ com essa frequência invadindo repentinamente seus pensamentos, perplexo e surpreso ele seguiu na direção sul penetrando nas entranhas da Grande Mãe, se era o caminho correto, saberia na experiência, ao passo dos passos, entre olhares perdidos, reflexos do nada, formas concretas, vida que vibra, dúvidas avassaladoras, confusões.
EU encontrei o que não queria! ... me perdi não aproveitando a liberdade, o reverso me fundiu nas estrelas cósmicas, em planetas selvagens e instintivos, montanhas de mistérios eram soterradas por flocos de neve que iam sobrepondo as verdades, a escuridão dava profundidade tal como uma pintura surrealista, irracional, bela de se ver, seria o oposto que justificaria o outro lado, como saberia que existe se não vivesse tal fato? O azul infinito, o sol e a lua não passariam de cenas do cotidiano, esquecida na frenética sensação de fim iminente, de medo, o tempo seria a cura da impaciência racional inerente a realidade “lembre-se de mim sempre que precisar, pois necessitarás de minha companhia nos momentos difíceis, lembre-se te amo como um sopro de vida que empurra para um mundo rico, o filho sem endereço’’.
O caminho ia se estreitando cada vez mais, sufocava-o, desesperando-o, fora inconsequente em que etapa? Avistando uma pequena luz numa fenda apertada, ele entrou sem refletir, a sensação claustrofóbica lhe causava intensa sensação de morte, de inércia, parara no estado onde o agir era impossível, densamente impossível, a respiração era limitada, o foco de luz ainda estava no mesmo lugar, talvez fosse à saída, mas não, era ilusão, um simulacro, ali errei! O caminho até agora me dera liberdade para escolher apesar das dificuldades, mas aqui fui aprisionado pela falsa sensação de contato, a luz me era uma esperança há segundos atrás, agora não passa de uma agonia, encontrei meu fim, sem esperanças, o filho foi definhando-se, perdendo vitalidade, preso de baixo de milhões de toneladas de frequências densas e mórbidas.
Um fio de pensamento lhe tocou, “O Ermitão!’’ Como pudera esquecer que ali, quase que uno às pedras, poderia buscar a saída, processando a sabedoria nelas contidas, a esperança naquele lugar solitário era reconfortante, foi-se o filho buscar uma saída daquela minúscula passarela, temida por muitos, mas enfrentada por Ele, a desistência não será o motivo de uma provável transgressão contrária às Leis naturais. Lua nova energética, figura materna, acolhe meu amor, faça que meu filho absorva sua força e tire-o desse lugar, que é Meu, mas intensificado por ele que tanto quer desbravar, Eu sei que um dia ele retornará, sinto sua falta, sinto sua dor, mesmo estando longe, seu lugar estará sempre aqui, ao meu lado.
Pedro Brito
31 de maio de 2013