IRMÃO SOL, IRMÃ LUA (LUTO, MARIA)

18/09/2016 15:53

 

 

                                                      Fonte da imagem: https://www.tumblr.com/search/sol%20e%20a%20lua

 

Por Alanna Souto

O tempo é exigente em cada espaço um ritmo, uma duração.  Aparentemente cruel, mas a sua essência é profundamente misericordiosa, ocupa-te, evita explosões e serena implosões.

No mundo moderna onde o produtivismo e os prazos te absorvem, sobra pouco tempo até para sofrer...viver uma perda, um luto, sentir a dor do que não é mais tangível, da ausência de um abraço, a voz que fisicamente se esvaiu num mergulho com o grandioso, cruzou fronteiras, despertou o sono da grande Mãe d`água que quando reconhece um filho dificilmente deixará retornar para o interior de sua antiga superfície, gira num grande redemoinho para então engoli-lo para as profundezas do seu lar, caudolento e oceânico.

A face Maria dos rios, possessiva, violenta e transgressora da vida, mata por obsessivamente amar, cavalga enrolada em cavalos marinhos, meio bodes, meio peixes, enlouquecidos pelas águas escuras, submersos e sorrateiros em afundar os sereios e as iaras que resistem conectados numa luta diária e solar. Contudo, nem sempre escapam deles e da dona D`água toda...

Do outro lado do semblante destas águas milenares, seu irmão gêmeo ensolarado, como se num grande equilíbrio, carregado de bondade, fazia exatamente o contrário, por amor salvava, amparava todos os incautos que ultrapassavam os limites do supranatural dos percursos extraterrestres do mundo ocidental, rios inteligentes que somente as mãos e os pés indígenas sabem até hoje seguramente navegar. Europeus cegos compravam, guerreavam e escravizavam por essas canoas humanas,pois sem elas não conseguiriam triunfar em sua invasão nas Américas há  mais de 500 de anos ; os africanos ao se depararem com essas águas que serpenteavam e abriam os caminhos das matas do fim mundo, assim nos contam as lendárias amazonas, já intuíam quem seriam seus grandes aliados nos espaços amocambados da resistência, eles, o sábio povo originário, os únicos que conseguiam conviver harmonicamente com essa Natureza dúbia.

Irmão Sol, irmã Lua, ambas as faces transformadoras, deixam cicatrizes indeléveis naqueles que cruzam seus territórios, todavia Maria, fanática de suas correntezas, e mais lunar do que seu irmão, é sim libertadora, afinal o que é mais libertador que a morte? A não ser a nossa vontade louca de lutar por viver e ir (a)mar-te, deitar todos os dias no berço esplêndido, dormir o sono dos justos e transar um amor renascido, guardado pelas mãos dos ventos que oxigena o impulso para chegar até o seu verdadeiro espelho d`agua.

 Retomo o fôlego, produzo, respiro, enegreço. Liberto-me.

Tombo na casa das minas.

Vejo os olhos verdes claros brilhantes da negra guardiã que seriamente me encarava. Temo. Respeito.

Peço licença, sinto uma imensa saudade

Saio do luto, a chuva visita meus olhos, amadureço....

 ‘Envelheço’. Transmuto.

Caso-me comigo.

Agradeço, irmão sol, que me habita.

Até o próximo eclipse.

Amo-te

Maria.

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