FELIZ DIA DAS MÃES
POR ALANNA SOUTO
Vivemos numa sociedade de valores cada vez mais invertidos, de meninas-crianças gerando filhos, bebês abandonados em ruas ou em lugares mais hediondos, nem mais em portas de orfanatos ou instituições de caridades ou em lares seguros há o cuidado na hora do abandono. Nesse quadro estima-se pelo IBGE desde 2008 mais de 8 milhões de crianças abandonadas numa população de mais 200 milhões de habitantes, o índice não é só preocupante como alarmante, paradoxos da (pós) modernidade em que ações e comportamentos se repetem de outras épocas, a sociedade retrocede e as rodas dos expostos aproxima-se da consciência institucional mais do que de uma revolução social de Estado, pautada numa melhor distribuição de renda, assistência médica, educação e descriminalização do aborto .
De todo modo a maternidade, no sentido de ser mãe e não somente de gerar ou adotar uma criança, é um passo, ou melhor, uma missão que só deveria levar a cabo as mulheres realmente tocadas por esse amor incondicional de cuidar, instruir, criar e proteger, fazer-se presente, talvez esse fosse o ideal, afinal, infelizmente, não existe apenas o abandono social, mas há também o abandono emocional que transcende as fronteiras das classes sociais e chega aos lares modernos mais abastados, aonde algumas mães se vêem confrontadas com suas carreiras profissionais ou religiosas, tempo de produção ou lazer para lidar com esse pequeninos cidadãos tão solícitos de amor e atenção materna/paterna, em especial, em sua fase de formação mais frágil que é infância, já que o adolescente que vai surgir será reflexo da fase anterior, segundo os psicopedagogos.
Obviamente que minha reflexão até aqui se limita a um olhar mais professoral sobre a questão, adiantando-me a alguma contrariedade de quem estiver lendo e retrucar do outro lado da tela: “você não é mãe, blá, blá, blá” , mas não anula o fato de eu ser filha e desejar que todas as crianças do mundo tenham a mesma sorte que eu tive e tenho em ter uma mãe heroína, presente em todos os momentos, na queda da bicicleta, na dor de engolir o choro por alguma tolice, no medo ou na felicidade no dia de entrega do boletim da escola, no constrangimento da menarca para as meninas ou na euforia da primeira ejaculação no caso dos meninos.
No imaginário de toda criança a mãe é aquele ser onisciente, onipresente e onipotente, sim, é uma espécie de D`us,uma criatriz, uma deusa que tudo sabe, escuta e ver. Aliás, ela será assim para toda nossa vida, independente da origem do berçário ou dos estágios etários, seremos eternamente seus bebês.
Ser filha/filho no conforto dessa riqueza que é o amor materno, independente das cifras que ela realmente possua ou não na bolsa ou dos títulos acadêmicos pendurados na parede do escritório, dará condições a qualquer criança, adolescente e adulto superar toda forma de adversidade que enfrente em sua vida, a começar pelo princípio que nem tudo que desejamos pode-se ter, ser ou viver.
Um dos primeiros gestos de amor de nossas mães é dizer não ainda no primeiro ano de idade quando queremos enfiar o dedo na tomada, o que não foi o meu caso, minha mãe me deixou enfiar o dedo, peguei choque e aprendi a lição, passava longe das tomadas desde então, de acordo com seu relato. Hoje, aventuro-me enfiando os dedos nas tomadas vida, eletricidade, amor, tesão e que se faça luz, pois vóis sois deuses, disse Cristo.
O ato de dizer não ou deixar a criança, mesmo que vigilante, caminhar por si só, correndo, andando, caindo, levantando, dando de ombros com o coleguinha..., creio ser fundamental para manter o equilíbrio de discernimento dos limites que se dever ter em todas as fases. Desde os nossos primeiros anos de vida, todos devemos saber respeitar as regras, refleti-las e se for o caso rompê-las, a harmonia quase sempre vem pelo conflito. E para os mais simbióticos em sua relação maternal e que se esquivam de se conflitar com ela, saibam que a data e hora desse outro rompimento do cordão umbilical já está marcado, e terá que dizer: “mãe eu vou por aqui ou simplesmente, mãe eu gosto de manga, ás vezes, salada de fruta, ponto final, fique com sua banana, vamos continuar nos amando e prossigamos”, claro, nem sempre tão apetitoso assim, mas, indubitavelmente, libertador e transformados para ambos os lados....
Uma dessas situações para quem tem uma orientação sexual fora dos padrões da heteronormatividade é quando se toma o passo de “sair do armário”, ás vezes, acontece naturalmente ainda na adolescência ou na juventude dos 20 poucos anos ou mesmo depois dos 30 anos, e se for de uma família conservadora, geralmente, será um processo ultra difícil para os filhos simbióticos desses pais e mães da Panis et circense, mas como já disse anteriormente a hora sempre chega, se não for pelo amor, é pela dor e o final para muitos casos é bonito e fortalecedor dos laços.
Para minha mãe lidar com a minha sexualidade não foi nada confortável, para meu pai mais desconfortável ainda, contudo, aos poucos os dois foram compreendendo que o universo das relações de afeto transcende a aparência e o percurso da procriação, não escolhemos a paixão, ela nos escolhe, obviamente, que devemos reeducar qualquer padrão de dedo podre que persista em nossas vidas amorosas, atrair mentes sãs e boas em nossa direção é mais do que fundamental. E hoje, passado o transtorno, minha mãe me apóia ou consola dependendo do desfecho dos meus romances ou quando rola uma decepção, ela ainda retruca, “esquece, essa daí não sabe o que está perdendo ou te livraste de um mau elemento”, enfim, mãe é por nós, e ninguém será contra nós! Mãe é mãe, vaca é vaca!
E este é um dos gestos mais inesquecíveis desse amor, no momento das nossas escolhas, afinal já não é nada fácil pra ela ver aquele ser que há 7 anos atrás pedia para dormir na cama com ela com pavor do bicho papão e de repente aos 14, 15 anos apresentando o namorado ou a namorada e perguntando se pode ficar pra dormir. Aqui ela pari novamente, mais um corte umbilical que precisará passar um tempo de resguardo para se recuperar da sensação irracional de “perda” nas fases de crescimento de seus filhos e outras idiossincrasias.
Aos 33 anos de idade, olho para minha mãe Célia que hoje tem 63 anos, minha preta velha, como a chamo com carinho, reverência, rebeldia e obediência por toda sua sabedoria, garra e amor que teve ao criar seus 4 filhos, como uma preta velha rígida e amorosa no desenvolvimento dos seus amados, uma Nanã que nos guia no aconchego do seu colo para que alcancemos cada vez mais o amadurecimento e a libertação de todo mal passado ou que tenta assombrar o presente e atrapalhar o futuro, a minha mãe Nanã, térrea e humana não permiti, a grande mãe-vó, protetora, acalentadora e soberana!
E é nessa linha da grande Mãe das almas e do conhecimento que todas as boas mães nos ajudam a renascer nos momentos de “morte” em nossas vidas, nelas mais do que ninguém, meio que por instinto, está ativado a centeia divina de todas yabás e anjos em prol de suas crias, na verdade todos que buscam vivenciar o amor de forma pura e transparente vendo no seu próximo uma identidade fraternal, quiçá maternal, tem esses elos ativados.
No meu caso, o ano de 2012 foi um ano singular e único de transformação pelo qual passei por dois grandes dolorosos rompimentos, nos meses de setembro e novembro, Saturno já anunciava sua chegada no ano seguinte, podando e cortando com sua foice tudo de podre que já não servia mais, “cabeças” perniciosas e malignas guilhotinadas , desfazendo nós e restabelecendo o cordão energético que une o espírito ao corpo, reestabelecendo a mente sã, salva e curada. Dessa forma nos transforma e dignifica Obaluaê/Omulú, nosso anjo da morte, junto com Nanã, que vela por nossa vida, assim como nossas mães, nossas heroínas, rainhas e deusas salvadoras de seus filhos, no desencarne e na ressurreição em que passamos em alguns momentos na matrix do dia-a-dia.
Minha mãe Célia, de carne e osso, não é uma intelectual, nem profissional liberal ou muito menos esteve presente em Woodstok, mas segundo consta nos relatos de família participou nos anos de 1970 de uma prévia do que seria atualmente o efervesente festival do camarão em Afuá, terra da minha vó materna, a revolucionária Veneza marajoara...e como muitas mães dessa época de origem interiorana abdicou muito de sua vida pela tarefa de ser mãe e executou com extraordinária maestria que toda super mãe possui como dom nato.
Não tenho dúvida, mamãe é uma entidade que até nos meus sonhos oníricos surgi durante o sono REM, imantando-me, ora trazendo seu guarda-chuva para me proteger dos maus tempos, ora me dando o guarda-chuva para seguir em frente, mesmo que sozinha, sobrevoando entre nuvens escuras e brancas, transcendo arco-íris para o infinito e além.
Esse é meu feliz dia das mães a todos aqueles tocados por esse amor incondicional, filhos,filhas, mães e pais. E a toda criança e adolescente abandonados, órfãos na espera de um colo aconchegante materno, pois sim, é um direito universal.
Amém, shalom, saravá!
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