CANTO PARA EXU: EM TEMPOS DE VIOLÊNCIA
Alanna Souto
Foi no dia 24 de agosto de 1572 em Paris que se cometeu um dos maiores crimes de intolerância religiosa da história, alguns dias antes havia ocorrido um casamento de fachada, os noivos eram Henrique, rei de Navarra e chefe da dinastia dos huguenotes (protestantes), e Margarida Valois( Rainha Margot), princesa da França, filha do falecido Henrique II e de Catarina de Médici. O matrimônio tinha como objetivo encerrar o terrível decênio de conflitos religiosos entre católicos e protestantes.
A sede de poder da nobreza católica, contudo foi maior, a qual arquitetou e executou um extermínio de cerca de 30 mil protestantes franceses na noite que datava o dia de São Bartolomeu, um dos primeiros apóstolos de Jesus que “coincidentemente” teve um destino tão trágico quanto desses cristãos franceses, reza uma das tradições que o apóstolo morreu por esfolamento a mando do governador numa província russa, não se sabe por que motivo, além do incômodo de ter sido um grande pregador do cristianismo nessa região e até na Índia. Não por acaso o povo afro religioso brasileiro adotara essa data para comemorar e louvar o dia do mestre Exu, senhor Tranca Rua das Almas.
No Brasil colonial, ainda nesse período, indígenas, e posteriormente, escravos africanos eram obrigados a seguirem os mandamentos católicos, sendo proibidos de expressarem sua língua nativa e de cultuarem suas divindades, adotando estratégias de sobrevivências para praticarem seus cultos, assim associando seus “deuses” aos santos católicos. Umas das divindades mais enxovalhadas e mitificadas por esse catolicismo foi o Exu, justamente pela sua forma controversa de lidar com o sagrado, pois de todos os orixás dentro do panteão africano, é o mais próximo da forma humana de se expressar devido seu aspecto dual para além do bem e do mal, assim como o ser humano. Não á toa no Nordeste há uma crença que o dia mais funesto do ano é o 24 de agosto, dia de São Bartolomeu, “quando o diabo se solta do inferno”, reflexo desse processo colonial de brutalização da cultura africana.
Exu é o senhor supremo da vitalidade, em ioruba, significa “esfera”, aquilo que é infinito, o princípio de tudo, a força da criação, o nascimento, o mago, o que abre e o que fecha seja para o bem ou para mal, não no sentido de prejudicial porque nem sempre o Criador e seus soldados estão aqui para realizar nossos desejos e caprichos ou mesmo agem de forma mais severa para nos proteger ou nos livrar de algo pernicioso, especialmente o exu, que é o grande executor, afinal, algumas vezes, o ditado procede: “há males que é pra bem”. A entidade exu é um espírito humano que trabalha com este mistério, todos os exus de Umbanda, todas as entidades exu, trabalham sob o amparo e sustentação do Orixá Exu, que seria emanação do trono divino da vitalidade, de acordo com a literatura umbandista.
Assim Alexandre Cumino diz que o Orixá Exu está para as entidades Exu, bem como Oxossi está para os Caboclos, Obaluayê está para os Pretos-velhos ou Ibeji está para as Crianças.
E mais do que isso, Exu, tem a função primordial de fazer a guarda do universo e da humanidade, possui uma ligação forte com orixá Ogum, o ordenador da Lei divina em ação, em algumas casas, inclusive, acreditam que essa entidade é uma espécie de desdobramento desse Orixá, o “sentinela de ogum”. Exu, nesse sentido, é o executor dessa lei, a polícia divina atenta para limpar, quebrar toda força negativa que interfira no livre-arbítrio humano, pragas e maldições, feitiços, baixa magia, demandas, atua, ainda, no resgate ou no aprisionamento de almas perdidas, doentes e até mesmo seres malignos, os únicos autorizados a adentrar nos umbrais mais densos, o grande mago.
Que no dia de hoje possamos invocar Exu com toda sua falange e magística para além de nossa proteção na vida, nos ambientes noturnos, nas ruas e abertura de caminhos, sejam eles materiais, espirituais ou emocionais/afetivos [no caso das pombas-gira, exus da polaridade feminina], mas para que Eles se façam valer com toda sua força e execução da grande Lei divina em ação em tempos de violência e impunidade cada vez mais atroz no país, aonde a massa trabalhadora, o povo é sempre massacrado, esquartejado e esquecido por aqueles que têm por dever e obrigação protegê-los e resguardá-lo, representantes do poder e de uma justiça, a qual a lei é letra morta para os desfavorecidos.
Exu, senhor Tranca rua das almas vele por cada alma assassinada de seu corpo físico a mando do “patronato” ou de qualquer doentio egoísmo humano; que Exu siga vigilante nos casos “Amarildos” e “Welberts” da vida, execute a lei, mestre! E que ampare e dê força para todos os trabalhadores sigam veemente na sua batalha diária, nos dê alegria e coragem para resistir a todos as formas de opressão, guie- nos com seus passos de transformação, como guiou cada escravo em sua luta pela libertação, faça de cada um de nós, um Zumbi dos Palmares, um Bezouro da capoeira, agracie-nos com sabedorias femininas para além de Beauvoir, dê-nos todas as cores da liberdade e de sua verdadeira essência e por fim nos escude das garras do fanatismo!
Laroiê!Aluviá!
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