A UMBANDA DOS PRETOS VELHOS SOB A VOZ SINGELA DOS UMBANDISTAS
fonte: https://www.blancodesigns.com.br/riscos_desenhos-religiao4.html
Por Alanna Souto
Desde o nascimento da Umbanda no plano terreno ,em 1908,parte do movimento espírita vem se voltando para o estudo e diálogo com algumas manifestações espirituais típicas da religião umbandista, contudo esse contato está sendo feito de forma unilateral e homogeneizante, sem a fundamentação ‘empírica’ necessária dessa vertente espiritual e totalmente aversa aos importantes estudos e testemunhos dos irmãos umbandistas.
Uma prova disso é a matéria escrita por Paulo Roberta Viola, publicada na revista do espiritismo do mês de junho de 2011, intitulada ‘Preto-velho: Realidade ou mito?’. O título por si só é tendencioso, quiçá pejorativo, pois tenta colocar em xeque uma entidade espiritual de origem e firmada na tríade da Umbanda Sagrada: erês, caboclos e pretos velhos.
No decorrer da matéria pode-se observar uma série de incongruências e posicionamentos dúbios, para no final, somente no final reconhecer a importância desta sábia entidade para limpeza e cura espiritual para o planeta e toda humanidade. Aqui serão enumeradas quatro graves distorções para o entendimento e respeito dessa importante linha espiritual:
- O autor inicia o texto tentando enquadrar os ‘pretos-velhos’ numa categoria conceitual no âmbito da dinâmica histórica e cultural do Brasil,quando na verdade não se trata de conceitos e sim de uma simbologia, de um arquétipo que transcende as raízes culturais. Uma representação espiritual (e social por que não?) daqueles que mais sofreram trancafiados nas senzalas, explorados fisico-mental-emocionalmente e usurpado de sua liberdade, trazendo-nos em suas manifestações exemplo de fé, sabedoria e humildade. É sabido, contudo, por muitos que trabalham em diálogo com essas entidades, que nem todos esses pretos velhos tiveram encarnação em escravos africanos,os quais viveram em cativeiros. Dessa forma, a figura do preto velho não passa de roupagens, arquétipos que as entidades dessa linha fluídica escolheram se manifestar. Fato reconhecido, inclusive em diversos depoimentos de lideranças do espiritismo ao longo da reportagem.
- Portanto, a questão não é meramente cultural, como foi enfatizado e muito menos generalista, se não digo de forma grosseira e superficial, quando o autor questiona “(...) Temos inclusive levar em conta que nem todo preto e velho foi bom”.
- Ou quando num dos depoimentos a médium Irene Carvalho, que faz parte da diretoria da comunhão espírita de Brasília, afirma: “O que dificulta a aceitação e a comunhão dos ‘pretos-velhos’ é o seu linguajar e gesticulação abundante. O que não se pode acatar o uso da vela, do fumo, da bebida e de outros rituais que não condizem com os ensinamentos da doutrina codificada por Allan Kardec”.
- Em outro momento um dos depoentes espírita diz para não levar em consideração o ‘jeito’ amoroso e faceiro dessas entidades. E o porquê de ainda se manifestarem no formato de “preto velho”.
Para escritora, estudiosa da temática e mãe de santo Lurdes Campos Vieira o arquétipo do ancião preto, nobre, poderoso, amoroso, humilde e sábio, ocultado por trás do jeito simples de falar, conquistou e tornou imortal a figura carismática do “preto-velho’’. Os “pretos-velhos”, ou linha das almas, atuam na irradiação de Pai Obaluaiê, de quem absorvem as irradiações, tornando-se também irradiadores delas, estabilizando e transmutando a vida de quem os consulta. Preto-Velho, no ritual de Umbanda Sagrada, é um grau manifestador de um Mistério Divino. Nem todo preto-velho é preto ou velho. A forma como eles incorporam, curvados, expressa a qualidade telúrico-aquática de Pai Obaluaiê. O peso que parecem carregar não é fruto do cansaço, da idade avançada ou velhice, mas a ação da qualidade estabilizadora terra, desse Orixá, diante da qual todos se curvam,aquietam-se e evoluem calmamente.
Assim como os caboclos não foram somente índios em suas vidas passadas, um “preto velho”, não precisa necessariamente, como já falamos acima, ter passado pela escravidão no Brasil. No fundamento “preto velho” temos espíritos que foram de alguma forma ligados ao sacerdócio mais intensivamente,digamos assim, em suas vidas na terra e também na vida astral,por que não?!... A exemplo, de monges, budistas tibetanos, sacerdotes cristãos sábios Xintoístas, sacerdotes Maias, Taltecas de ervas insondáveis, sacerdotes atlantianos ou mesmo o misterioso [para nós humanos] “povo da estrela”, como bem observa Lurdes Vieira.
Alexandre Cuminino em seu texto "Pretos velhos na cultura brasileira e na umbanda" informa que o primeiro "preto velho" a se manifestar na religião de umbanda foi Pai Antônio por meio do médium anunciador dessa religão Zélio Fernandio de Moraes que fundou a Tenda Nossa Senhora da Piedade. Assim foi aberta esta “linha” para nossa religião, introduzindo o uso do cachimbo, guias e o culto aos Orixás.
Diz ainda Cumino o "preto velho" está ligado à cultura afro-brasileira em geral e a umbanda de forma específica, pois dentro da Religião Umbandista este termo identifica um dos elementos formadores de sua liturgia, representa uma “linha de trabalho”, uma “falange de espíritos”, todo um grupo de mentores espirituais que se apresentam como negros anciões, ex-escravos ou nessas roupagens, conhecedores dos Orixás Africanos.
Assim milhares de pais, vovôs e vovós [ Pai João , Pai Joaquim, Vovó Maria Redonda, Vovó Maria Conga, Vovó Benedita, dentre outros e outras] manifestam-se nessa linha aconselhando, desfazendo baixas magias, limpando e curando. Nesse contexto o arquétipo do negro é evidente, dar voz , significados e a devida importância a todo um povo, uma nação escravizada, traficada, coisificada e, apesar de tudo, sobreviventes de suas culturas, miscigenadas nas Américas e no Brasil, seus ancentrais passam então a reconhecer e constituir um dos pontos sagrados da tríade umbandista que associado ao arquétipo do "velho", do idoso, do ancião, trazem consigo a representação de tudo aquilo que é antigo, detentores do conhecimento originário, por isso relacionados aos raios da criação Obaluaê e Nanã, a humildade intríseca na sabedoria,sempre discretos e preservados quando se comunicam, porém alegres e amorosos. Uma semente do mais puro amor e esperança.
Sendo assim,além da sapiência por meio do arquétipo ancião e da figura do negro representando, também, a humildade de todos aqueles que se curvaram forçadamente diante da escravidão, mesmo aqueles que não viveram como escravos, mas ainda sim vem na roupagem do preto velho, quem sabe [?] em homenagem, em resistência e na quebra de paradigmas que se tem a respeito ao “velho” e ao “negro” numa sociedade, aonde os valores e regras são ditadas por uma elite obediente aos interesses eurocêntricos em sua raiz colonial e mais recentemente por valores do império norte-americano, povos colonizadores conhecidos por seus preconceitos étnicos e socioculturais, em especial entre negros e indígenas.
É dessa forma que diversas entidades referidas “pretos velhos”, no grau de guias e protetores, usam a “roupagem fluídica” de um corpo astral negro, mesmo no citado plano astral e daí engajam-se a militar na corrente astral da Umbanda Sagrada.
No que concerne à ritualística dos “pretos velhos”, bem como de outras entidades que se manifestam originalmente na umbanda é importante expressar que o tabaco, a pólvora, as velas, incensos, charutos, as ervas e outros elementos que sim fazem parte dos fundamentos dessa liturgia religiosa, serve como um elo de comunicação e instrumentos indispensáveis para que esses trabalhadores da espiritualidade façam suas limpezas, curas espirituais e demandas.
Então se parte do movimento espírita ou quem quer seja, reconhece a importância e a luz das entidades da umbanda, sejam “pretos velhos”, caboclos, erês,quem sabe até a nossa “banda”, “malandros” e “exus”, e assim almejam se comunicar e trabalhar com essas falanges espirituais,que os recebam em seus templos com respeito a sua ritualística tão necessária para execução e eficácia de seus trabalhos espirituais.
Não cabe, assim, ao movimento espírita e sua ordem organizativa fazer pré-julgamentos sem conhecer, de fato, como funciona os preceitos e fundamentos dessas entidades ligadas tão intrinsecamente à liturgia umbandista. E quando fizer que faça com clareza e com o necessário diálogo com aqueles que se debruçam brilhantemente nos estudos da umbanda sagrada e daqueles que trabalham como médiuns, trabalhadores, dirigentes, mães e pais de santo dedicados em honrar tais entidades, seus princípios e sua religião.
A umbanda ou Aumbandhã, lei divina em ação. Religião universalista, pois se “alimenta” de diversas fontes espirituais, desde afro, cristã, kardecista perpassando, inclusive pela linha oriental e cabalista, infinitas linhas e que merece o devido respeito, assim como todas as outras vertentes religiosas.
Salve o raio da ancestralidade! Atotô Obaluaê, Saluba Nanã!
Salve o dia 13 de maio!
Data que marca o fim de quase mais de três séculos comendo-se o pão da vergonha da escravidão.
Salve Zambi, salve Zumbi!
Adorei as Almas!
Saravá!